Com democracia agonizando, Brasil vive disputa aberta entre poderes.

Valendo-se do conceito gramsciano de hegemonia, segundo o qual esta seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto político um bloco mais amplo não homogêneo, marcado por contradições, e exercer sobre ele uma liderança moral e intelectual, fazendo certas concessões a seus aliados, é nítido que, com a instauração do golpe de Estado e o desenvolvimento do processo de ataques às garantias democráticas em curso desde então, o Brasil vive, abertamente, uma disputa entre seus Poderes pela hegemonia política.

O Executivo Nacional, que, teoricamente, sempre foi visto como o principal poder da República, com o afastamento de Dilma Rousseff e a efetivação no cargo do usurpador Michel Temer, atolado até o pescoço em maracutaias e devedor daqueles que o ajudaram a perpetrar o golpe, perdeu força diante dos que fizeram o serviço sujo e, por isso mesmo, cristalizaram-se no imaginário popular como aqueles que livrariam o país da “desgraça PTista”: O Congresso Nacional e Judiciário. Poderes que agora travam luta por sua consolidação enquanto força hegemônica.

Com um histórico de dar arrepios a qualquer um, o Congresso Nacional sai enfraquecido nessa disputa, pois é incapaz de esconder todo o mar de sujeiras que o cobre e, principalmente, porque, no citado imaginário popular, desde os tempos do chamado “Mensalão”, justiceiros da estirpe de Joaquim Barbosa e, agora, Sérgio Moro, consolidaram-se como os verdadeiros “salvadores da pátria”.

O problema é que, como diz a recém famosa expressão popular: “O Brasil não é para amadores”. Afastado o PT do governo, os “ratos” do Congresso puseram-se em movimento para estancar a sangria causada pela Lava-Jato, tendo o mínimo de percas possíveis, apenas aquelas que foram necessárias ao intento golpista, como é o caso de Eduardo Cunha.

Tecer conjecturas sobre a história, além de errado é perigoso, mas, com uma boa dose de prudência e observando-se a conjuntura atual, é possível supor que estejamos vivendo um processo de golpe dentro do golpe, assim como aconteceu com Vargas em 1937 e Costa e Silva a partir de 1968. Esse processo pode levar tanto a um governo eleito de forma indireta pelo Congresso, o que torna possível a ascensão ao governo do projeto derrotado nas últimas quatro eleições presidenciais, via PSDB, para um mandato tampão de dois anos, quanto ao cancelamento do calendário eleitoral e até mesmo ao fim do presidencialismo e a implantação do parlamentarismo. Uma análise mais detalhada desse quadro deixa claro que, inclusive, é possível o desenrolar de todos esses acontecimentos em escala.

Deixando as conjecturas de lado e passando aos fatos, como já dito, a luta atual se trava entre o Congresso e o Judiciário. A votação do chamado “pacote anticorrupção”, aprovado pela Câmara dos Deputados, não deixa dúvidas quanto a isso. Ao afirmar que as “prerrogativas do Legislativo precisam ser respeitadas” e dizer que não se pode aceitar que “a Câmara se transforme em cartório carimbador de opiniões de partes da sociedade”, embora negue, Rodrigo Maia dá um recado direto ao STF e ao judiciário como um todo. O texto original do “pacote” sofreu mudanças, tendo sido retiradas as previsões de os acordos de leniência (espécie de delação premiada de empresas) serem celebrados pelo Ministério Público; e de tornar crime o enriquecimento ilícito de servidores públicos. Foi incluída, ainda, a previsão de medidas que possibilitam a punição a juízes. Tais alterações foram motivo de discordância e embate entre os Poderes, levando nomes como o Coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, o procurador Deltan Dallagnol, que antes do impeachment dizia que não havia diferença em ações de combate à corrupção entre os governos, a reconhecer o óbvio: que na gestão da presidenta deposta Dilma Rousseff houve mais avanço no combate a corrupção, tendo sido aprovadas medidas muito melhores.

Tristemente, por falta das condições subjetivas para tomar seus destinos nas mãos, única forma de a classe trabalhadora exercer seu poder e fazer valer sua vontade na sociedade contra interesses pessoais e do grande capital, o povo brasileiro nos encontramos diante de duas portas, onde ambas nos levam ao abismo: A primeira é a hegemonia do judiciário, que instaurou nesse país um Estado policial marcado pela perseguição e a criminalização da política que beira a uma situação de exceção. A segunda é a hegemonia do Congresso Nacional, que, longe de ser a “casa do povo”, é a casa das “boquinhas” e dos interesses econômicos e políticos pessoais, que tem como marca principal a dilapidação dos direitos da classe trabalhadora, a entrega do patrimônio nacional, a falência do Estado e o avanço de pautas ultraconservadoras.

Com pequenas variações de forma e conteúdo, ambas opções nos conduzem, como dito, diretamente para o abismo e no fundo dese abismo está o fascismo.

Resta à classe trabalhadora se organizar, unir, resistir e lutar contra toda essa situação. Apesar do momento difícil, a vitória há de ser nossa!

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